quarta-feira, 9 de março de 2011

TERCEIRO DIA DE ENCONTRO – “Dizer com ele”

A PRESENÇA E A AUSÊNCIA DO ATOR NO TEATRO DE ANIMAÇÃO

A escolha desse tema é importante por discutir um modo de participação do ator no espetáculo cênico contemporâneo, bem como possíveis estruturas narrativas, estruturas compostas a partir da leitura do ator (pelo público) como elemento componente de significância relacionado aos demais elementos da cena (objetos, luz, cenografia, etc.). Nas atuais proposições das companhias desse gênero teatral, percebemos as variadas possibilidades, ou graus de participação do ator como constituinte desse binômio ator/objeto animado (boneco). O que poderia ser apenas uma opção estética é também uma opção que desvela um discurso. Mas que discurso é esse, do que trata e como se apresenta? Que discurso é esse que se apresenta tão frequentemente em produções teatrais (com o ator presente ao lado do boneco ou transferindo-o para outros suportes)? Modismo ou um modo de pronunciar algo que não pode ser dito de outra forma? Que metáfora está sendo representada nessa relação que se estabelece entre o ator e o objeto? A própria ausência do objeto-boneco, em si, não representa também uma metáfora? Pensar nas escolhas estéticas e relacioná-las com nossa época implica um olhar crítico para o nosso entorno presente.

O encontro iniciou com uma rodada sobre a qualidade de presença do ator e a inserção dessa presença dentro de uma dramaturgia, verificando que a forma de se relacionar com o objeto constitui-se em um dos elementos de significação do espetáculo, seguido dos tópicos:
O processo da produção de imagens, dentro do Teatro de Animação implica uma percepção dessa qualidade de presença bem como de ausência do ator. A composição da cena como uma imagem revela uma escolha capaz de evocar sentidos. A presença ou ausência do ator ao lado do objeto animado produz uma cadeia de significantes que, relacionados a esse contexto da imagem, induzem/produzem significados.
Ao tratar do conceito de “neutralidade do ator”, comentou-se que esta seria uma “gradação da presença do ator” necessária para endereçar o centro de interesse do público até determinado foco de atenção. O importante nessa relação entre diferentes graus de presença/ausência implica justamente na condução de uma narrativa operada por imagens. Dosar as expressividades do ator para que suas intenções sejam aplicadas no lugar certo de seu corpo, gerenciando esse fluxo de expressividade, necessita uma extrema consciência. Por fim, essa consciência é capaz de provocar uma emoção, uma reflexão, uma transformação ou um diálogo com o público.
Na questão do sentido da cena, a procura da imagem ideal para uma expressão eficiente nos remete à escolha de elementos pictóricos: linha, forma, perspectiva, etc. “Silhuetar” um boneco, por exemplo, significa selecionar o melhor desenho (forma) impresso pelo seu corpo no espaço, de tal forma que propicie a leitura da ação pretendida. Do ponto de vista da produção da imagem (através do corpo do ator ou do boneco), mesmo que aparentemente a silhueta elencada esteja distante da organicidade real do corpo, se faz necessária a utilização desse artifício em prol da compreensão do signo pelo público.

Frases do dia:
“O encantamento dos bonecos é capaz de aproximar-nos de nós mesmos” (Álvaro Vilaverde)
“O Teatro de Animação é um lugar rico de possibilidades de sentido (...) faz renascer uma nova relação entre ator e público.” (Liliane Xavier)
“No Teatro de Animação eu me sinto confortável em compor uma cena com riqueza visual.” (Miguel Vellinho)
“O Teatro de Animação traz para o ator uma percepção do conjunto da cena como significante.” (Carolina Garcia)
“Para vencer as palavras precisamos do poder imagético do Teatro de Animação” (Marcos Nicolaiewsky)
“A beleza das árvores está no vazio entre os galhos.” (autor desconhecido, pensamento trazido por Márcio Nascimento)
“O que me atrai nessa expressão artística é o seu poder ilusional e a capacidade do ator relacionar-se com o outro, ouvi-lo e ‘dizer com ele’ através de uma  qualidade de presença específica” (Paulo Balardim)

6 comentários:

  1. A entrada consciente do ator na cena - para dividí-la co os bonecos - criou um dos campos mais atraentes em termos de resignificação dos elementos sobre um palco. Esta cena-em-camadas é um dos fatores que tem instigado pesquisadores e encenadores no mundo inteiro. Na PeQuod o tratamento pareado destes dois elementos é hoje sua maior fonte de questionamentos e ponto de partida para novas criações. Os projetos recentes, desde a montagem de Peer Gynt (2006) já nascem sob este prisma.

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  3. Fala-se muito, há muito tempo, em "animador à vista". Muito do que se fala a esse respeito aponta a apresentação dessa corporalidade dividida/sobreposta como sendo um elemento impulsionador do que se percebe das recentes transformações no teatro de animação. Como se a o partido cênico do operador de bonecos aparente fosse responsável pelas mudanças vistas no teatro de animação contemporâneo, ou se esse fosse o o traço distintivo de nosso tempo. Não chego a negá-lo, mas prefiro, no entanto, me indagar sobre quais foram as vontades/necessidades que levaram ao crescente emprego desse recurso de modo intencional e auto indagador. As questões a serem feitas seriam: quais são as metáforas (do homem, do mundo) que estão sendo nesse momento solicitadas ao teatro de animação; e: que alterações foram percebidas nos estatutos do teatro de bonecos e do boneco teatral, de modo a que este se apresente agora sob a forma de uma composição plural, instável, em constante diálogo consigo mesma?

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  4. A respeito da neutralidade, creio que concordamos com o fato de que o termo pode ser usado de diversas maneiras.A primeira delas está diretamente apoiada numa ferramenta analítica literária, a partir da qual entendemos a diferentes caracterizações do narrador (neutro/participante - endógeno/exógeno). Nesse caso, o manipulador pode dinamizar a esfera narrativa dos objetos/bonecos sem romper essa separação entre seu nível de atuação e o dos bonecos. O manioulador, supostamente, "deixa acontecer" a ação entre os bonecos, sem dela fazer parte. No entanto, parece que a mera inserção do ator dentro do campo de visão do espectador pode ser suficiente para por em movimento relações deste com a esfera narrativa dos bonecos. Assim, essa neutralidade pode ser verificada em alguns aspectos da narrativa, mas noutras não.
    Neutralidade pode ser entendida também como conceito técnico-pedagógico acionado para se trabalhar a dosagem expressiva necessária para que se conceda ao boneco a centralidade na atenção da platéia, necessária em alguns momentos de alguns espetáculos de animação. Parece, no entanto, que as práticas contemporâneas em teatro de animação lidam mais com gradações de centralidade assumidas em alternância e diferentes gradações entre ator e forma animada. Para tal, parece que o conceito de FOCO acolhe com maior sucesso o conceito anterior, ampliando-o e dando-lhe maior funcionalidade.

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  5. Essa dosagem do foco e de condução de expressividade foi considerada um procedimento de trabalho de ator. Portanto, um procedimento interpretativo, que aproxima de maneira tanto coerente quanto supreendente o trabalho do ator com o do operador de bonecos. Retomando um tema do nosso primeiro dia de discussão, é necessário para tanto um ator autônomo, consciente das suas competências (técnicas e poéticas) e da relação do seu desempenho com a totalidade do evento teatral.

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  6. A presença do ator na cena é de fato assunto dos mais interessantes no campo conceitual e técnico na arte do teatro de animação. Pensar em um ator "mágico" ou "feiticeiro" que comande sua existência na poética cênica exige tudo o que for possível. Uma dramaturgia extraordinária sob os olhos do espectador necessitam de aparatos cada vez mais técnicos para sustentar a não ação desse ator invisível ou façam com que ele se destaque como único no mundo essencialmente visível do palco. O que resta desse ator ideal, onipresente na cena e onisciente da dramaturgia quando lhe roubamos a caixa preta?
    Fios ligados a motores faciais, refletores de LED, cortinas virtuais, empanadas holográficas, alavancas WiFi, cordas luminosas, alçapões camuflados por vídeos multimídia, fumaça fosforescente, etc.

    Será que a técnica que existe além do ator são seus fios de sustentação?

    E a tecnologia? Será ela o critério determinante na escolha do diretor para manter um ator aparente ou... inexistente?

    Além da técnica da espetacularização dos sentidos e da poética dramática, provavelmente o ator do teatro de animação ainda terá que saber exatamente, tal qual o diretor, qual a sua marca e a sua deixa durante o decorrer da cena.

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