terça-feira, 8 de março de 2011

SOBRE A CAPACITAÇÃO DO ATOR

Dentro de uma perspectiva metodológica que almeja indagar-se a si mesma sobre a miríade de formas de capacitação para esta arte plural, evoco a opinião de dois formadores artísticos consagrados no Teatro de Animação mundial: Dominique Houdart e François Lazaro. Para o primeiro, urge a necessidade da elaboração de uma espécie de “gramática” que reúna conhecimentos imprescindíveis e pertinentes ao mais variado uso dos modos técnicos no qual se apresentam as figuras, formas, objetos e bonecos utilizados com o fim teatral da animação. Destaca Houdart que existem elementos, características, que perpassam as manifestações dessa arte nas mais diversas culturas e tempos e que, tais elementos, são aqueles os quais devemos ater-nos para a configuração dessa “gramática” capaz de orientar o pretenso formando.
A idéia de uma “gramática” formativa não é, de fato, uma novidade, uma vez que já acompanha nossa profissão, no mínimo, desde a obra referencial de Andre-Charles Gervais, lançada em 1947, e que possui em esboço do que ele chama de “Gramática elementar de manipulação”. Embora seu caráter normativo tenha por objeto o treinamento técnico da manipulação para bonecos de luva, o livro de Gervais é uma importante obra que apresenta em sua essência uma preocupação com o caráter formativo do ator dentro de uma especialidade manigante. Mas o que propõe Houdart ultrapassa a noção de reprodução técnica eurocêntrica de uma especialidade e deixa margem à interpretação de que há uma necessidade de estudar o entendimento da arte nas mais diversas culturas e delas, apreciar elementos que se entrecruzam. Distante da idéia de que restritivos elementos normativos compõem a arte, Houdart aponta para a existência de “universais” anteriores às normas técnicas.
Já para Lazaro, “se gramática existe, ela está no olhar do espectador”. Assim, o realizador francês aproxima-se das teorias de recepção que libertam o ator da responsabilidade integral da transmissão de informações sígnicas, ou seja, Lazaro reconhece o papel ativo do espectador na “leitura” do ato cênico e na criação de sentido, estendendo a noção dessa gramática para a compreensão dos mecanismos perceptivos do público. Para ele, é esse mecanismo de percepção e produção de sentido que deve ser estudado em sua ampla dimensão.
Ao que me parece, não existe divergência entre a concepção de Houdart e Lazaro a respeito de que deva existir uma “preparação” para o artista, embora a abordagem para tratar dessa preparação possua pontos diferenciados. Houdart apresenta um enfoque multiculturalista, sugerindo uma aproximação do ator com elementos da antropologia e sociologia ao passo que Lazaro propõe um estudo inicial do ator partindo da fenomenologia.
De qualquer forma, gostaria de contribuir com nossa discussão sobre os aspectos formativos do ator no teatro de animação, retomando a idéia de uma formação “não-reducionista”, mas que, ao mesmo tempo, propicie os necessários índices dos elementos pertinentes a essa linguagem. Em nossas considerações, elencamos algumas palavras chaves, para adjetivar nosso ideal de estímulo formativo: “ator-investigador”, “ator criativo”, “ator-autor”, “ator responsável” e “ator autônomo”.
Acredito que dessa reflexão, extremamente pertinente ao cunho pedagógico (e intrinsecamente humano em seus aspectos éticos) dentro do processo de elaboração criativa nas companhias teatrais, possa-se dizer que, dentre os elementos fundantes do profissional da animação teatral, elenca-se a observação criteriosa do mundo no qual o sujeito se insere. Mas essa observação deve pressupor um “algo além”, ou seja, pressupor uma contemplação permissiva da escuta do outro. E, em nosso caso, o “outro” também se refere ao inanimado.
E, numa época onde o planeta necessita de um cuidado holístico, imprescindível para a manutenção de nossas vidas, volto a salientar a relevância das discussões sobre o próprio entendimento da vida como uma cadeia inter-relacional entre “seres” e “coisas”, entre animados e inanimados. Nossa arte, sobre esse aspecto, fornece um olhar que nos posiciona num espaço privilegiado de observação: o espaço da ficção como tempo reflexivo.
Bom...deixo minhas conclusões para uma próxima postagem!!

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