quarta-feira, 24 de agosto de 2011

REPRESENTAR OU INTERPRETAR


Ontem assisti a  uma parte da defesa de dissertação de mestrado do Emerson Cardoso Nascimento aqui na UDESC ("A redescoberta da sombra") e uma questão que foi levantada para a reflexão incitou este post:
O ator de animação representa ou interpreta?
Ao meu ver, ocorre os dois. A representação, evocação de um 'modelo', alusão a algo já conhecido, surge desde a composição plástica da forma animada, e passa pela elaboração do movimento qualificado no objeto animado (boneco). É preciso executar a movimentação partindo de um referencial comum (o movimento do modelo, apreendido em sua síntese) para que ele possa ser lido. Por exemplo, para que seja identificada uma figura antropomórfica que caminha, é necessário que esse figura 'caminhe como um homem'. Se essa figura caminhar como um quadrúpede, o espectador identificará um animal outro. Essa representação exige também sutilezas para além da forma...e é aí que entra a interpretação. Quero dizer que, uma mesma sequência de ações pode ser executada com pequenas variantes em relação ao tempo de execução de movimentos e pequenas variantes nas reações...bem como nos acentos ou ênfases em determinados impulsos ou paradas. Nessa infinidade de variantes, a escolha do ATOR, a seleção dos movimentos e suas dinâmicas em função da descrição de intenções e objetivos do personagem (boneco) faz parte de sua interpretação. O prefixo 'inter' sugere bem a mediação...esse 'algo' entre uma coisa e outra. E o ator, mediador entre a expressão da forma animada e o público cumpre um papel parecido com os sacerdotes animistas antigos, ao evocarem a percepção de um mundo mais sutil e complexo através da ritualização. O rito, ou, os procedimentos utilizados, servem para gerar uma 'limpeza' na movimentação, organizando a essencialidade e buscando uma clareza na codificação. Do ponto de vista artístico, poderíamos dizer que o rito parece produzir a tal 'estranheza' da obra de arte, capaz de suscitar a curiosidade e atenção do público, na expectativa do acontecimento.
Dêem uma olhada nesse maravilhoso trabalho de Neville Tranter, por exemplo...
Eu diria que, além da representação da morte, existe uma dupla interpretação: a interpretação do boneco-personagem 'morte', que deve passar pelas escolhas do ator, e a interpretação do personagem de Neville, em seu 'corpo de ator'.

Então...nesse caso, a grande dificuldade, para mim, está nesse desdobramento simultâneo da interpretação, a qual exige a sincronicidade entre ações diversas (entre os dois personagens) para a composição de imagens que são desencadeadas consecutivamente para revelar significados.

2 comentários:

  1. Incrível o trabalho desse artista. Assim como é dito no texto, a sincronicidade entre as ações do "personagem-boneco" e do "personagem-humano" é essencial na organicidade das cenas. Li num artigo que o ator-animador tem que saber conciliar bem os focos: ora no boneco ora nele, de modo que o animador não seja o protagonista.Esse vídeo e esse texto me fizeram recordar da peça "El Titiritero de Banfield" a qual tive o prazer de assistir. O ator-animador Sergio Mercurio dialoga naturalmente com Bobi, e ainda interagem com o público, com um ritmo e timing formidáveis.

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  2. ESTE VÍDEO REFORÇA SUA AFIRMAÇÃO. EM ALGUNS MOMENTOS É POSSÍVEL "VER EM AÇÃO" DUAS PERSONAS GRAÇAS AO TALENTO DO ATOR QUE CONFERE À MÁSCARA UM GESTUAL PRÓPRIO E REAGE ÀS SUAS INVESTIDAS COM UMA INTERPRETAÇÃO COMOVENTE QUE NOS LEVA A SOFRER COM ELE.
    EM SUA REPRESENTAÇÃO DA MORTE SE MOSTRA A SEDUÇÃO,A OPRESSÃO, O INEVITÁVEL...SUA INTERPRETAÇÃO DÁ VIDA A ESSAS SENSAÇÕES, REAGE A ELAS E NOS CONVENCE. A COMBINAÇÃO PERFEITA PARA ENEBRIAR A PLATÉIA.
    E QUANDO O ATOR DE ANIMAÇÃO ESTÁ NA SOMBRA? É SUA REPRESENTAÇÃO QUE NOS CONVENCE QUE UMA GARRAFA ESTÁ DANÇANDO FRENETICAMENTE, POR EXEMPLO.É A SUTILEZA NA MOVIMENTAÇÃO QUE CRIA O PERSONAGEM. A INTERPRETAÇÃO ESTÁ NA VOZ, NA RESPIRAÇÃO, NO TOM, NO RITMO...E NOS SILENCIOS

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