terça-feira, 23 de agosto de 2011

ESTIMULAR, ACORDAR, ESTIMULAR, ADMINISTRAR

Fiquei pensando sobre a definição do verbo "animar" (discussão antiga, mas que ainda  instiga...) Ao invés da popular definição utilizada por nós, "animadores", a qual diz que "animação é o ato ou efeito de produzir 'anima', vida", optei por ampliar a discussão, fazendo uma revisão semântica no termo.
Encontrei alguns outros conceitos que me fizeram refletir sobre a atuação do "animador", os quais compartilho aqui:
O ato de animar[1] também pode ser entendido como:
1. reavivar; acordar; despertar
2. elevar; entusiasmar; erguer
3. vivificar; alentar
4. estimular; revigorar; fortificar
5. conduzir; dirigir; administrar
Dessas acepções, selecionei três, as quais considero como uma seqüência lógica de interação entre o ator e o objeto: acordar, estimular e administrar.
O início de tudo parece ser um estímulo que faz acordar as faculdades proprioceptivas  e perceptivas do ator. O ator 'acorda' para a presença do objeto. O estímulo, de fato,  tem  sua origem na posição liminar entre um e outro. Na zona de intersecção das materialidades dos corpos é que está a frequencia  que faz vibrá-los. A vibração do corpo ocorre quando existe um movimento oscilatório em torno de um ponto de referência, sendo que esta vibração pode ser quantificada.  Quando o público passa a perceber a sintonia entre os corpos, é ele que acorda. Acorda para uma nova percepção e deixa-se seduzir pelo jogo do 'endereçamento do foco de atenção', no qual  a quantificação vibratória induz pontos de observação determinados e intermitentes. O objeto 'acorda' para o mundo quando a ele é dado a oportunidade de revelar-se para além de pré-determinações funcionais. O objeto, em si, passa a ser apreendido em toda a sua inexplicável pluralidade quando o olhar humano indaga contemplativamente sua essência.
A indagação exige resposta. Para obter essa resposta, o estímulo. Estimular, dando voz ao objeto, possibilita explorar suas capacidades expressivas através do jogo dramático, da interpretação do ator(participativa ou neutral) e da manipulação (efetivo contato físico entre ator e objeto com o intuito de produzir movimento externo). Pode-se dizer que existe aí uma recíprocidade: se o ator é estimulado pelo objeto, também lhe estimula, gerando um ciclo de retroalimentação.
Para a manutenção dessa retroalimentação, condição de jogo teatral, é imperativo administrar a relação entre os corpos e a significação dos variados contextos produzidos na cena. Essa administração perpassa a fixação das presenças cênicas (tanto do ator quanto dos objetos reais e dos seres ficcionais), levando em consideração o uso de forças distintas para gerar e mobilizar energias, produzindo ritmos e dinâmicas em ações expressivas variadas.

Procurei um vídeo que pudesse ilustrar um pouco  essas reflexões e encontrei Ilka Schönbein, nesta poética interpretação. Atentem para toda a relação afetiva entre a atriz e o boneco, na qual   fica dissimulado todo o contato físico 'manipulatório'. O corpo da atriz se deixa surpreender a todo instante pelo boneco e a função do olhar contemplativo dá força à retórica do inanimado. A atriz estimula o boneco que a estimula...Ilka administra magistralmente tanto seu corpo, coordenando-o significativamente, quanto o desencadeamento emocional da imagem poética.


[1] Segundo o dicionário eletrônico Babylon 8

2 comentários:

  1. Paulo, muito bacana a reflexão. Eu tenho uma tendência a rejeitar o recurso à etimologia para definir esses termos que hoje carecem tanto de uma nova aproximação. Eu procuro abordar a questão da "animação" a uma certa distância da discussão da alma (apesar de reconhecer a sua procedência). Fico buscando lidar com o entendimento de uma vida circunscrita ao ambiente da cena. Não é uma vida incondicional, é uma vida possível dentro dos códigos do espetáculo (o que justifica, sei lá: um guarda chuva ser um super-herói ou eu aceitar uma personagem que fala pela boca do japonezinho sentado ali do lado). Busco perseguir o entendimento de uma vida qualificada pelas condições da cena. Mas tem uma coisa que torna isso um pouco mais complicado: você concorda que um boneco que se apresente num lugar - qualquer lugar - apresenta uma capacidade de conjuração de teatralidade. Explico: o boneco animado é teatral no simples ato da sua apresentação. Como ele não tem vida além da cena, se eu imagino que ele tem (algum tipo de) vida ao ser apresentado, essa percepção conjura uma cena. Um oxímoro: vive dentro das condiçoes ditadas pela cena teatral, mas a sua apresentação transforma qualquer ambiente em teatro.

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