quinta-feira, 14 de julho de 2011

A VIVÊNCIA COM OS ELEFANTES






Na vivência prática realizada entre as companhias PeQuod e Caixa do Elefante, ontem, coordenada por Paulo Balardim e Mário de Ballentti, inicialmente, foram apresentados alguns tópicos que norteiam o curso dos trabalhos de preparação do ator nos processos de oficinas. Dentro desses tópicos, destacam-se:


1)      A EXPERIÊNCIA SIGNIFICATIVA PARA O ATOR
O início do envolvimento do ator com a animação parte de uma experiência significativa em sua vida. Algo que impulsione seu desejo de expressão através de um canal que mescle a plasticidade dos materiais ao caráter dinâmico da cena teatral. A plasticidade da animação exige primordialmente o olhar re-significativo para o outro, para a matéria. A escolha da matéria como canal de expressão pressupõe que exista uma subjetividade do ser que observa. Essa subjetividade é transportada e manifestada pelo inanimado, o qual possibilita ao espectador envolver-se emocionalmente através de suas próprias projeções neste objeto observado.

2)      A ESTRUTURA E SIMBÓLICA DO OBJETO ANIMADO
O trabalho de animação inicia-se com um olhar contemplativo do ator sobre o objeto. Neste olhar existe uma carga imaginativa que atribui propriedades fictícias ao objeto. São essas propriedades projetadas que imbuem com traços de autonomia o objeto.
Assim, a relação estabelecida entre o ator e o objeto cria um desdobramento objetivado do ator. Parte de sua subjetividade desloca-se numa alteridade. É a capacidade projetiva do ator que possibilita o desencadeamento do processo de animação. Nesse desdobramento podemos observar dois níveis nos quais o ator se relaciona com o objeto.
No primeiro nível, temos a carga imaginativa em si que, num processo investigativo da forma do inanimado, especula sua similaridade com a forma do organismo vivo, relacionando-os dialeticamente: Não existe contradição entre ambas as formas; existe uma síntese da contrariedade das formas, síntese esta que se manifesta no movimento do objeto. O corpo resultante da síntese é o corpo simbólico. Um corpo que passa a ser outra coisa sem deixar de ser o que é. Ele é o mesmo e outro ao mesmo tempo. O movimento do objeto, nesta acepção, é uma forma efêmera impressa no espaço que expressa qualidades do ser. Na dinâmica do desdobramento do ator é produzido um diálogo entre subjetividades ficcionais: o ator ‘ficciona’ sua força motriz na produção do movimento do objeto (dissimulação); o objeto animado tem sua existência ‘ficcionada’ pelo ator (simulação).
No segundo nível, temos a reorganização da mecânica acional do corpo do ator. A imagem de seu corpo, o mapeamento estrutural de sua forma e funcionamento, é alterada segundo um desencadeamento sináptico que provoca um estado multi-atencional (centrado simultaneamente no ‘eu’ e no ‘outro’) e exacerba funções ligadas à motricidade fina.

3)      AS ESTRATÉGIAS DA MANOBRA
Assim, segundo esses pressupostos, a companhia acredita que o desenvolvimento de uma pedagogia do inanimado passa por uma educação do sensível, na qual o ensino-aprendizagem nasce no momento em que o ator toma consciência de sua posição de observador: observador de seu corpo, observador do outro e observador do mundo. Nos exercícios trabalhados em suas oficinas, a companhia Caixa do Elefante prioriza os seguintes aspectos formativos, nesta sequência:
·         Percepção da latência do ficcional no objeto (eloqüência expressiva do material, sua capacidade simbólica e cinética).
·         Reorganização da mecânica funcional do corpo do ator através da propriocepção (centro de atenção voltado para as micro-mudanças musculares que ocorrem no corpo, consciência e eliminação de pontos de tensão musculares, investigação da ‘corporeidade’ do corpo em seu aspecto ‘coisal’).
·         Otimização do tempo e do espaço através do rigor formal e da economia de meios –percepção da relação corpo/espaço (relações entre forças atuantes no corpo, amplitude do movimento e deslocamentos do ator).
·         Técnicas manipulatórias específicas do contato com o objeto/retórica do discurso da animação abordando temas como eixo, ponto fixo, nível, opacificação da presença do ator(busca de um estado neutral), triangulação, sincronia vocal (articulação da marca de voz no boneco), controle atencional, etc.

Assim, percebemos que a ocorrência da manobra da animação (estratégias utilizadas para esse fim) segue um caminho vetorizado nos sentidos:
a) Do corpo do objeto para o corpo do ator (estímulo).
b) Do interior do corpo do ator para o exterior do corpo do objeto (Força motriz do movimento: motivação, intenção, objetivo, percepção de conflito, ação).
c)       Do exterior do corpo do objeto para seu próprio interior (subjetividade ficcional impressa pelo movimento do ator ao movimento do objeto).
d)      Do exterior do corpo do objeto para o exterior do corpo do ator (a ação do objeto provoca reações/re-adaptações da forma/movimento do corpo do ator.


2 comentários:

  1. Aos queridos e generosos mestres, Paulo e Mario,agradeço a oportunidade de compartilhar de suas experiências e vivências dentro do universo do teatro de animação, bem como salientar que estes dias de convívio aqui em Paquetá irão alimentar muitas reflexões e investigações plásticas que vislumbro daqui prá frente. Obrigado!

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  2. Ler essa postagem me deu profunda inveja de ter ficado aqui em Minas enquanto vocês se encontram no Rio (mas eu vou virar doutor e vocês vão ver só! [risada satânica]).
    A divisão do encontro em três temas encadeados me levou de volta a uma conversa que eu tive com Mário nos idos de 94, 95... sei lá!
    Antes de trabalhar ou querer trabalhar com o boneco você deve se indagar o porquê. Quais fundamentos éticos e poéticos norteiam o seu trabalho de modo a te levar a abraçar a animação. Depois de muitas idas e vindas acho que ainda conservo um pouco da atitude "rebelde" do meu descobrimento da linguagem nos anos 90, no qual acreditava que um olhar atento e generoso pode produzir uma mútua provocação entre forma e vontade de expressão, e que também existe uma espécie de "disposição estrangeira" que nos faz indagar a linguagem em seus limites e nos lança à investigação.
    No entanto, nada disso parece fazer sentido se não se abre um canal de escuta e generosidade, se não se aproxima do boneco numa busca de, citando o Balardim em março, "dizer com ele", ao invés de "dizer apoiado nele". Lembro-me de um elogio feito pelo Jack Lemmon ao Walter Matthau no lendário programa "Inside the Actor´s Sutdio". Ele admirava o companheiro de cena por que ele tinha a capacidade de contracenar com o outro ator, e não - como muitos fazem - sobre o outro ator.
    É isso: devemos indagarmo-nos séria e constantemente acerca de nossasa escolhas artísticas. Dessas respostas decorrem a definição de um rumo consistente, ainda que este traçe uma rota de atravessamentos.

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