sábado, 12 de março de 2011

SEXTO ENCONTRO - Histórico dos grupos e retrospectiva das temáticas

A criatividade não suporta um lugar repetitivo
Nosso encontro de hoje retomou um pouco da história pessoal dos integrantes dos grupos, seguido da retomada de alguns temas tratados nos encontros anteriores.
No depoimento de Mário de Ballentti, o qual resgata suas paixões de infância como motivadores de seu trabalho artístico, percebe-se a descoberta da força do teatro como meio de expressão; o uso do teatro como recurso para comunicar. As suas experiências de infância influenciaram na escolha pela linguagem teatral com animação. Ele entende que essas paixões de infância motivam a criação, pois a criação é a expressão e a prática do estímulo recebido. O seu referencial visual e sonoro (como a Revista Recreio e os disquinhos do Braguinha e Radamés Gnattali) repercutem na escolha estética dos seus espetáculos. Para ele, as experiência boas, agradáveis, nos impelem à criação.
“Fazer da aula de artes um processo de expressão deve ser iniciado desde cedo. O início dos cursos que ministro parte da sensibilização com o material. Sentir o material compõe cinqüenta por cento da expressão (...) Construir e atuar são atividades que sempre surgiram juntas para mim: sempre foi preciso primeiro construir o brinquedo para depois brincar com ele. A montagem e a construção da brincadeira faz parte do brinquedo”
Acrescentando o conteúdo apreendido na sua participação no Festival Internazionale di Teatro e Cultura per La Prima Infanzia 2011 (Itália), no qual foram debatidas questões sobre a formação bio-social da criança, Mário de Ballentti comenta que o cérebro da criança produz relações neurais em muito maior quantidade do que o adulto, o que a faz perceber e expressar o mundo de outro modo, sem condicionamentos.
O grupo, então, discutiu e fez uma breve incursão e pesquisa no campo na neuroestética para ampliar nossa discussão e tentar compreender a experiência estética no âmbito neuronal. Alguns dados observados nessa breve pesquisa:
- Escutar música e perceber cores ativa processos motores no cérebro humano. Determinadas obras de arte produzem substâncias, como a dopamina, que provoca prazer, bem-estar e estimula a criatividade.
- Para a criança, a linha atenta para o limite e prepara para a percepção da forma. Neste ponto, retomamos a discussão tratada no encontro anterior, no qual comentamos sobre o movimento do desenho que o corpo do ator imprime no espaço e a qualidade “silhuetada” dessa forma como produtora de informações claras. A leitura da ação necessita da leitura da forma e da leitura que essa forma ocupa e transforma os vazios do espaço.
- O sistema meramente reprodutivo em arte inibe a criatividade e ser criativo hoje é uma necessidade imperativa dentro da articulação social do sujeito. Logo, o papel da arte como estimulante criativo, por si só, constitui toda uma pedagogia.
Voltando a refletir sobre alguns dos temas anteriormente discutidos:
- Liliane resgata a temática da autonomia do ator/autor: ele constrói, é participante, passa a compreender o entorno. Nessa perspectiva também, refletimos sobre o ator múltiplo, que se desdobra em inúmeras funções fora da cena, desde a construção, produção até a divulgação de seu trabalho e como isso interfere no seu processo criativo.
- Carlos comenta: “O entorno da gente mudou para que pudéssemos realizar o trabalho.” Assim, ele reflete sobre as estruturas de produção, sua profissionalização e especialização. Ele assevera que os projetos necessitam de mais consistência e faz-se mister a contratação de terceiros para preencher funções nas quais não somos especializados.
- Comentou-se sobre uma tendência de que, nos grandes centros econômicos, a produção artística muitas vezes desvia-se de seu rumo inicial, em função da política cultural adotada pelas instituições fomentadoras. Os editais ditam formatos para a elaboração de projetos, determinando valores agregados para estes projetos e verbas para a montagem e circulação.  A evolução do grupo é determinada por uma necessidade mercadológica que exige uma produção constante de produtos culturais novos em detrimento a uma necessidade artística de produção de pesquisa.
O grupo reconhece que nesta iniciativa do Rumos Itaú, um projeto de fomento e incentivo à produção de conhecimento, altamente estimulante do ponto de vista criativo. Nesta semana de encontros, onde as duas companhias conviveram intensamente com o fim exclusivo de refletir sobre seus fazeres e suas inserções no panorama cultural do país, através de suas sistemáticas de produção, formação e criação, tivemos a oportunidade de aperfeiçoamento mútuo.
No final deste encontro, programamos a próxima etapa deste intercâmbio, que continuará no Rio de Janeiro...
Continuem acompanhando o blog e comentando... Nas próximas postagens incluiremos mais vídeos com os depoimentos dos participantes.

QUINTO DIA DE ENCONTRO - SERRA GAÚCHA

Neste quinto dia de encontro, propomos uma dinâmica diferente para nossas discusões e interações.
A companhia PeQuod e a Caixa do Elefante subiram a Serra Gaúcha para ficarem dois dias no espaço de residência artística VALE ARVOREDO. Neste recanto coberto de mata nativa, cercado de cascata, rios e animais silvestres, localizado em São José do Herval (Morro Reuter/RS), realizaremos nossas últimas discussões desta etapa do projeto.
Mário de Ballentti, chegando da Itália, onde apreciava um festival de teatro para bebês, passa a integrar as discussões.

sexta-feira, 11 de março de 2011

POST - EPÍGRAFE

Para embalar nossos pensamentos e suscitar comentários.

No reino da realidade, por mais bela, feliz e graciosa que ela possa ser, nós nos movemos sempre sob a influência da gravidade, força que precisamos superar incessantemente. Em compensação, no reino dos pensamentos, somos espíritos incorpóreos, sem gravidade e sem necessidade. Por isso não existe felicidade maior na Terra do que aquela que um espírito belo e produtivo encontra em si mesmo nos momentos felizes.
Arthur Schopenhauer

quinta-feira, 10 de março de 2011

QUARTO DIA DE ENCONTRO - "Da rodinha à roldana"

A dramaturgia (textual e visual) e as tecnologias utilizadas nos espetáculos

A primeira parte do encontro contou com a apresentação de trechos em vídeo de espetáculos da companhia PeQuod: Marina, Filme Noir, Peer Gynt e A chegada de Lampião no Inferno, que foram apresentados pelo diretor da companhia Miguel Vellinho, e comentadas pelos paticipantes do encontro.

Em seguida o círculo de discussões foi estabelecido para a abordagem do tema do dia, que foi o uso de tecnologias nos trabalhos das companhias Caixa do Elefante e PeQuod, e os reflexos que essas estabelecem nas constituições dramatúrgicas dos espetáculos. Da discussões seguem em tópicos alguns dos principais pontos abordados:

* O emprego de tecnologias digitais (em especial recursos de vídeo) por parte de algumas companhias podem soar artificiais, desnecessárias, acompanhando mais um desejo de uso da ferramenta tecnológica, em vez de usar o recurso a favor de uma vontade discursiva;

* Foi percebida a necessidade de definir o conceito de tecnologia dentro do teatro de animação. A tecnologia não necessariamente versa acerca de um ferramental exterior ao homem, mas também pode ser entendida como sendo o aprimoramento do conhecimento a partir do conjunto dos termos próprios a uma arte;

* A substituição do termo “novas tecnologias” para apenas “tecnologias” em nossa discussão, uma vez que o primeiro termo se relacionava de maneira muito clara com uma família de recursos percebidos a partir da década de 1980, identificada fortemente com tecnologias digitais. Foi mencionado mais adiante que companhias de teatro de bonecos, por sua dinâmica de trabalho artesanal usualmente absorvia com maior facilidade uma dinâmica de investigação e emprego de métodos de construção e alternativas técnicas, em relação aos grupos dedicados ao que chamamos, em contraponto, de teatro de atores;

* O caráter eminentemente artesanal do teatro tende a fazer com que a entrada de novos recursos tecnológicos, tal como o vídeo, ocorram, em muitas vezes, de modo um tanto desajeitado, no sentido em que o emprego de tais tecnologias parece muitas vezes não se dar em um diálogo eficiente com os demais recursos da cena teatral;

* Por fim foi discutido por todos o quanto se corre o perigo de enveredar pela curiosidade e pelo aperfeiçoamento do dispositivo técnico, sem se dar conta de que nosso objetivo deve ser a cena. A ideia de que “uma boa construção cumpre 90% da manipulação” pode ser adequada a algumas modalidades de teatro de bonecos, mas que, via de regra, as melhores soluções são oferecidas pela lida com o teatro. Assim concluímos que o emprego da tecnologia precisa acompanhar uma vontade expressiva, e que o entendimento de tecnologia não pode se resumir ao emprego de dispositivos exteriores ao homem, mas que também se apresenta em modos de atuação e entendimento dos trabalhos da cena. Entendemos que a tecnologia é um conjunto de conhecimentos usados a serviço e aperfeiçoadas pelo homem.

Frases do dia

Esse tipo de tecnologia não foi feita pelo fabricante para nós.” - Carlos Alberto Nunes, sobre o fato de que não há disponível no mercado produtos específicos para as necessidades do teatro de animação.

Teatro de animação tem que ter movimento – físico ou psicológico” - Paulo Balardim

Quando a história é bem contada, há uma sinergia que faz o público embarcar nela” - Miguel Vellinho

Escrever para teatro de animação é, em primeira apreciação, reconhecer a potência expressiva do material” - Mario Piragibe

quarta-feira, 9 de março de 2011

TERCEIRO DIA DE ENCONTRO – “Dizer com ele”

A PRESENÇA E A AUSÊNCIA DO ATOR NO TEATRO DE ANIMAÇÃO

A escolha desse tema é importante por discutir um modo de participação do ator no espetáculo cênico contemporâneo, bem como possíveis estruturas narrativas, estruturas compostas a partir da leitura do ator (pelo público) como elemento componente de significância relacionado aos demais elementos da cena (objetos, luz, cenografia, etc.). Nas atuais proposições das companhias desse gênero teatral, percebemos as variadas possibilidades, ou graus de participação do ator como constituinte desse binômio ator/objeto animado (boneco). O que poderia ser apenas uma opção estética é também uma opção que desvela um discurso. Mas que discurso é esse, do que trata e como se apresenta? Que discurso é esse que se apresenta tão frequentemente em produções teatrais (com o ator presente ao lado do boneco ou transferindo-o para outros suportes)? Modismo ou um modo de pronunciar algo que não pode ser dito de outra forma? Que metáfora está sendo representada nessa relação que se estabelece entre o ator e o objeto? A própria ausência do objeto-boneco, em si, não representa também uma metáfora? Pensar nas escolhas estéticas e relacioná-las com nossa época implica um olhar crítico para o nosso entorno presente.

O encontro iniciou com uma rodada sobre a qualidade de presença do ator e a inserção dessa presença dentro de uma dramaturgia, verificando que a forma de se relacionar com o objeto constitui-se em um dos elementos de significação do espetáculo, seguido dos tópicos:
O processo da produção de imagens, dentro do Teatro de Animação implica uma percepção dessa qualidade de presença bem como de ausência do ator. A composição da cena como uma imagem revela uma escolha capaz de evocar sentidos. A presença ou ausência do ator ao lado do objeto animado produz uma cadeia de significantes que, relacionados a esse contexto da imagem, induzem/produzem significados.
Ao tratar do conceito de “neutralidade do ator”, comentou-se que esta seria uma “gradação da presença do ator” necessária para endereçar o centro de interesse do público até determinado foco de atenção. O importante nessa relação entre diferentes graus de presença/ausência implica justamente na condução de uma narrativa operada por imagens. Dosar as expressividades do ator para que suas intenções sejam aplicadas no lugar certo de seu corpo, gerenciando esse fluxo de expressividade, necessita uma extrema consciência. Por fim, essa consciência é capaz de provocar uma emoção, uma reflexão, uma transformação ou um diálogo com o público.
Na questão do sentido da cena, a procura da imagem ideal para uma expressão eficiente nos remete à escolha de elementos pictóricos: linha, forma, perspectiva, etc. “Silhuetar” um boneco, por exemplo, significa selecionar o melhor desenho (forma) impresso pelo seu corpo no espaço, de tal forma que propicie a leitura da ação pretendida. Do ponto de vista da produção da imagem (através do corpo do ator ou do boneco), mesmo que aparentemente a silhueta elencada esteja distante da organicidade real do corpo, se faz necessária a utilização desse artifício em prol da compreensão do signo pelo público.

Frases do dia:
“O encantamento dos bonecos é capaz de aproximar-nos de nós mesmos” (Álvaro Vilaverde)
“O Teatro de Animação é um lugar rico de possibilidades de sentido (...) faz renascer uma nova relação entre ator e público.” (Liliane Xavier)
“No Teatro de Animação eu me sinto confortável em compor uma cena com riqueza visual.” (Miguel Vellinho)
“O Teatro de Animação traz para o ator uma percepção do conjunto da cena como significante.” (Carolina Garcia)
“Para vencer as palavras precisamos do poder imagético do Teatro de Animação” (Marcos Nicolaiewsky)
“A beleza das árvores está no vazio entre os galhos.” (autor desconhecido, pensamento trazido por Márcio Nascimento)
“O que me atrai nessa expressão artística é o seu poder ilusional e a capacidade do ator relacionar-se com o outro, ouvi-lo e ‘dizer com ele’ através de uma  qualidade de presença específica” (Paulo Balardim)

terça-feira, 8 de março de 2011

2º DIA DE ENCONTRO

Diálogo sobre a dinâmica dos grupos e relações estabelecidas com a política pública e outros mecanismos











O trabalho do dia iniciou sob a indagação se as companhias, devido ao fato de atuarem em cidades diferentes (Porto Alegre e Rio de Janeiro) enfrentariam realidade diferentes no que toca a condições de produção. A partir desse ponto foram relatadas experiências contidas nas trajetórias de cada grupo, e chegou-se ao seguinte levantamento:
- Houve o reconhecimento de uma alteração histórica na dinâmica de produção observada desde os fins da década de 1980 até os dias de hoje, na qual se percebe a transição de uma forma de captação de recursos mais pessoal com os prováveis patrocinadores, nomeada aqui de “política de balcão”, até uma relação institucionalizada dos editais de fomento. A relação com o empresariado ainda ocorre (em se tratando da realidade de Porto Alegre), ainda que de modo mais esporádico e recoberto de certa ritualização, ao passo que numa cidade como o Rio de Janeiro o trato mais frio com as políticas de fomento dos editais predomina;
- Durante muito tempo as companhias foram sustentadas por esquemas de vendas de espetáculos para escolas, uma vez que desde algumas décadas a bilheteria não se constitui mais numa fonte de renda confiável – sequer considerável para o sustento das companhias;
- As companhias concordam, apesar de se encontrarem em momentos diferentes desse processo de realização, que a figura do produtor das companhias deve ser formada dentro das companhias para que se possa trabalhar a produção em diálogo com as metas artísticas, e com a dinâmica específica do trabalho em uma companhia estável de repertório;
- Uma grande dificuldade apontada pelas companhias está nos modos de equalização entre as condições materiais de trabalho e a dinâmica criativa de suas coordenações artísticas que podem, em meio a um processo, propor alterações na produção que conduzem a desvios complicados em seus planejamentos de produção. Foi mencionado que as condições reais de produção de um espetáculo não podem ser encarados como “percalços” num processo livre de criação, mas de fato, condicionantes estéticos – um espetáculo teatral não se realiza na ideia de um criador, mas no seu contato objetivo com os seus diversos aspectos de realização;
- É necessário para um processo de produção artística um diálogo saudável entre a vontade criativa (um “acelerador”) e a percepção objetiva e crítica dos seus meios de realização (o “freio”);
- Há que se profissionalizar o trabalho da companhia teatral. Uma relação direta com o mercado, entendendo o seu trabalho como produtos a serem oferecidos, requer a aquisição de outras competências ao artista-empreendedor-produtor que dizem respeito ao trato com o seu públicos, que muitas vezes pode ser entendido como sendo o cliente que compra apresentações ou subvenciona produções;
- Acerca do problema do gerenciamento de tempo, energia e atenção posto diante do artista que precisa trabalhar em diversas atividades para manter sua atuação nas companhias, foi evocado o dito de que “quem trabalha muito não tem tempo para ganhar dinheiro”. Ou seja, dedicar-se integralmente à companhia pode significar a possibilidade de uma ação mais propositiva e menos reativa, permitindo planejamento e foco.


Que nome dar ao que somos?

Comentário sem a intenção de fornecer uma resposta

Em meio a nossa prática pressionada pela necessidade da produção e nossa sofrida e esporádica reflexão acerca dos processos - particulares e globais - com o quais nos deparamos, a terminologia é um problema difícil de ser contornado, embora impossível de ser ignorado. Pode parecer à primeira vista que discorrer sobre emprego de palavras é uma prática pouco eficiente e por demais teorizante, mas a nossa escolha de termos é o que garante o estabelecimento de um vocabulário comum, possibilitando a comunicação entre companhias e profissionais, além de facilitar a definição de conceitos por meio de uma escolha adequada de palavras. Deve-se dizer que a escolha de palavras se reflete obrigatoriamente no entendimento e no emprego dos procedimentos adotados por companhias, artistas, professores e demais interessados em teatro de animação.

No que diz respeito ao processo de formação do profissional de teatro de animação, deparamo-nos hoje em dia em meio a uma quantidade de termos cujas definições e diferenças nos escapam: marionetista, manipulador, animador, ator-manipulador, bonequeiro. O pesquisador norte americano Steve Tillis menciona o termo puppeteer, para evocar aquele tipo de artista dedicado a teatro de bonecos, senhor de todos os aspectos da produção do seu trabalho - dramaturgia, confecção, apresentação e comercializaçã0. Tillis comenta que, dentre as diversas manifestações em teatro de animação de diversas tradições, locais e tempos, essa figura do marionetista tido como artista polivalente nem sempre foi observada. Disso decorre que essa modalidade de artista não se constitui numa imagem tradicional, e que coletivos artísticos organizados a partir de especializações e divisão de tarefas não se constituem num fenômeno legado ao teatro de animação pela modernidade.

Tillis prossegue buscando a partir do inglês, seu idioma, um termo que pudesse dar conta da variedade de competências, ampliada por questões mais recentes, que caracterizam o campo plural e movediço de caracterização do artista dedicado ao teatro de animação. Ao alcançar o termo puppet artist, Tillis não consegue caracterizar o artista envolvido diretamente com a lida da apresentação do boneco, posto que o termo pode ser usado nos diferentes envolvimentos que se pode assumir dentro do processo de constituição da apresentação de animação (dramaturgia, encenação, cenografia, confecção...). Nio entanto, ao procurar um termo que assume a natureza inclusiva e assume a percepção de que a arte do boneco pode ser uma arte coletiva, Tillis amplia a nossa capacidade de entendimento dos modos e processos de formação e constituição do artista dedicado à arte da animação.

Sobre a tradução do termo proposto por Tillis, o que de imediato poderíamos propor seria "artista de teatro de bonecos". No entanto, o modo como se escolhem no Brasil as palavras, indicaria que talvez o termo "artista de animação" fosse mais adequado. Essa escolha é motivada também pelo fato de que Tillis emprega o termo puppet (boneco) para designar todo material passível de ser inserido em um contexto teatral de modo a permitir a impressão de uma vida imaginada. No Brasil estamos percorrendo o caminho de uma divisão terminológica: boneco, objeto, forma animada, figura, silhueta, e assim por diante.

Mas essa já é outra questão...

* TILLIS, Steve. Towards an aesthetics of the puppet: puppetry as a theatrical art. New York: Greenwood Press, 1992.


SOBRE A CAPACITAÇÃO DO ATOR

Dentro de uma perspectiva metodológica que almeja indagar-se a si mesma sobre a miríade de formas de capacitação para esta arte plural, evoco a opinião de dois formadores artísticos consagrados no Teatro de Animação mundial: Dominique Houdart e François Lazaro. Para o primeiro, urge a necessidade da elaboração de uma espécie de “gramática” que reúna conhecimentos imprescindíveis e pertinentes ao mais variado uso dos modos técnicos no qual se apresentam as figuras, formas, objetos e bonecos utilizados com o fim teatral da animação. Destaca Houdart que existem elementos, características, que perpassam as manifestações dessa arte nas mais diversas culturas e tempos e que, tais elementos, são aqueles os quais devemos ater-nos para a configuração dessa “gramática” capaz de orientar o pretenso formando.
A idéia de uma “gramática” formativa não é, de fato, uma novidade, uma vez que já acompanha nossa profissão, no mínimo, desde a obra referencial de Andre-Charles Gervais, lançada em 1947, e que possui em esboço do que ele chama de “Gramática elementar de manipulação”. Embora seu caráter normativo tenha por objeto o treinamento técnico da manipulação para bonecos de luva, o livro de Gervais é uma importante obra que apresenta em sua essência uma preocupação com o caráter formativo do ator dentro de uma especialidade manigante. Mas o que propõe Houdart ultrapassa a noção de reprodução técnica eurocêntrica de uma especialidade e deixa margem à interpretação de que há uma necessidade de estudar o entendimento da arte nas mais diversas culturas e delas, apreciar elementos que se entrecruzam. Distante da idéia de que restritivos elementos normativos compõem a arte, Houdart aponta para a existência de “universais” anteriores às normas técnicas.
Já para Lazaro, “se gramática existe, ela está no olhar do espectador”. Assim, o realizador francês aproxima-se das teorias de recepção que libertam o ator da responsabilidade integral da transmissão de informações sígnicas, ou seja, Lazaro reconhece o papel ativo do espectador na “leitura” do ato cênico e na criação de sentido, estendendo a noção dessa gramática para a compreensão dos mecanismos perceptivos do público. Para ele, é esse mecanismo de percepção e produção de sentido que deve ser estudado em sua ampla dimensão.
Ao que me parece, não existe divergência entre a concepção de Houdart e Lazaro a respeito de que deva existir uma “preparação” para o artista, embora a abordagem para tratar dessa preparação possua pontos diferenciados. Houdart apresenta um enfoque multiculturalista, sugerindo uma aproximação do ator com elementos da antropologia e sociologia ao passo que Lazaro propõe um estudo inicial do ator partindo da fenomenologia.
De qualquer forma, gostaria de contribuir com nossa discussão sobre os aspectos formativos do ator no teatro de animação, retomando a idéia de uma formação “não-reducionista”, mas que, ao mesmo tempo, propicie os necessários índices dos elementos pertinentes a essa linguagem. Em nossas considerações, elencamos algumas palavras chaves, para adjetivar nosso ideal de estímulo formativo: “ator-investigador”, “ator criativo”, “ator-autor”, “ator responsável” e “ator autônomo”.
Acredito que dessa reflexão, extremamente pertinente ao cunho pedagógico (e intrinsecamente humano em seus aspectos éticos) dentro do processo de elaboração criativa nas companhias teatrais, possa-se dizer que, dentre os elementos fundantes do profissional da animação teatral, elenca-se a observação criteriosa do mundo no qual o sujeito se insere. Mas essa observação deve pressupor um “algo além”, ou seja, pressupor uma contemplação permissiva da escuta do outro. E, em nosso caso, o “outro” também se refere ao inanimado.
E, numa época onde o planeta necessita de um cuidado holístico, imprescindível para a manutenção de nossas vidas, volto a salientar a relevância das discussões sobre o próprio entendimento da vida como uma cadeia inter-relacional entre “seres” e “coisas”, entre animados e inanimados. Nossa arte, sobre esse aspecto, fornece um olhar que nos posiciona num espaço privilegiado de observação: o espaço da ficção como tempo reflexivo.
Bom...deixo minhas conclusões para uma próxima postagem!!

segunda-feira, 7 de março de 2011

DINÂMICA DO INTERCÂMBIO – ETAPA PORTO ALEGRE

Antes da realização da etapa Porto Alegre, já havia sido traçada uma estratégia para as discussões que seriam realizadas na semana do encontro, apoiada em uma pauta discutida e aprovada pelos grupos por meio de telefonemas e e-mails. Na pauta, dividida em eixos temáticos:
07/03 (2ª feira) – A formação dos atores dos grupos
08/03 (3ª feira) – Diálogo sobre a dinâmica dos grupos e relações estabelecidas com a política pública e outros mecanismos
09/03 (4ª feira) – A presença e a ausência do ator no teatro de animação
10/03 (5ª feira) – A dramaturgia (textual e visual) e as tecnologias utilizadas nos espetáculos
11/03 (6ª feira) – Atividade prática
12/03 (Sab) – Históricos dos grupos, sua formação e concepção dos espetáculos; Conclusões e planejamento da próxima etapa do intercâmbio, a se realizar no Rio de Janeiro.

Esta etapa contará com a presença dos seguintes participantes:
CAIXA DO ELEFANTE - Paulo Balardim, Carolina Garcia, Mário de Ballentti, Valquíria Cardoso, Viviana Schames.
PEQUOD - Mário Piragibe, Miguel Vellinho, Liliane Xavier, Marcio Nascimento, Marcos Nicolaiewsky, Carlo alberto Nunes.
No auxílio logístico: Luana Garcia e Gabriela Mallmann
Na receptiva no Vale Arvoredo (Serra Gaúcha): André Marques e Amanda Figueiredo

postagem após o primeiro encontro
1º DIA DE ENCONTRO – A formação dos atores dos grupos
Ao início do primeiro encontro, realizado no Museu do Trabalho, em Porto Alegre, foram discutidos os seguintes tópicos:
 -A formação sistemática dos atores é dificultada por uma constante necessidade de produção de espetáculos, disso decorre que as companhias precisam encontrar um espaço de treinamento em meio ao atendimento dessa demanda;
- Ainda que fustigados pelas necessidades de constituição de seu repertório e cientes de que o espaço para a formação de seus integrantes ocorre no calor desses processos, as companhias reconhecem que precisam valorizar esse método “intuitivo e errático” que fazem, porque este mesmo método foi a causa do surgimento das suas identidades, e também de seus métodos de treinamento e fundamentos de formação;
-A terminologia adotada para a auto-definição dos sujeitos artísticos influencia uma perspectiva sobre as qualidades formativas (competências fundamentais) desses sujeitos; em outras palavras, as escolhas terminológicas das companhias determinam o percurso formativo de seus integrantes: ator, marionetista, ator-manipulador, bonequeiro, titeriteiro, etc.;
-Sujeitos “atores” requerem o desenvolvimento de capacidades de escuta e observação que auxiliem na transferência de expressividade do “eu” para o objeto (capacidade de projeção);
-A autonomia do ator é uma busca dentro do processo formativo das companhias e não se constitui num paradoxo para uma linguagem que se supõe formalmente rigorosa (a do teatro de animação). A valorização da criatividade e da iniciativa devem ser considerados procedimentos da formação do ator. Tanto a criatividade como a iniciativa são essenciais para a constituição de um trabalho investigativo. O que se propõe aqui é a formação de um ator-investigador ou ator-autor de sua performance;
- Foi apontada a necessidade da existência de sedes e espaços próprios para as companhias como fundamentais para a montagem e manutenção de seus espetáculos, mas também para a existência de um treinamento continuado. Entretanto, foi ressaltado que a sede não é uma condição obrigatória para a conquista desse processo contínuo e sólido de preparo e formação;
- Dada a amplitude de possibilidades técnicas disponíveis ao teatro de animação, os grupos precisam investir num tipo de formação que seja amplificada, não reducionista e que ofereça ao ator um ferramental capaz de habilitá-lo no uso consciente de seu corpo em relação aos preceitos que norteiem suas interações com os objetos utilizados na animação. Esse ferramental deverá levar em consideração as especificidades fundantes dessa linguagem, tais como economia de meios, foco, eixo, desvio de atenção, dissociação de movimentos, partituras de ações, etc;
-Como produto da observação das práticas das duas companhias, a formação não-reducionista do ator, enfim, prevê uma anterioridade ao seu trabalho sobre o palco, a qual deverá centrar-se numa postura ética em relação à observação e reflexão sobre os aspectos que envolvem a realidade. É preciso, ao formador, imbuir-se da responsabilidade formativa do artista como ser humano para que, como tal, possa ele desenvolver sua leitura de mundo e sensação de pertencimento ao coletivo, com suas devidas responsabilidades e direitos.